Livros e documentos resgatados em enchentes no RS são congelados para restauração em SC

Especialistas do Laboratório de Conservação e Restauração de Documentos (Labcon) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) dedicam-se, a partir de outubro, ao trabalho de descongelar livros e documentos molhados nas enchentes que, em maio, castigaram o Rio Grande do Sul.

Na tarde de segunda-feira (30), um veículo refrigerado descarregou em Florianópolis caixas contendo volumes com livros e partituras vindas da Biblioteca Pública de Camaquã e do Museu de Igrejinha, duas cidades gaúchas severamente atingidas.

Descarregamento durou 20 minutos

Numa contagem extraoficial, são cerca de 250 volumes, ou seja, pacotes com papel dentro. O suficiente para encher um freezer de 500 litros e outro, com uma carga menor. Ainda assim, o processo de descarregamento na UFSC foi bem rápido: apenas 20 minutos.

“Tínhamos a preocupação com o tempo, pois era necessário retirar as caixas e colocá-las nos freezers do laboratório para que não comprometesse a técnica que vamos aplicar”, explicou o professor Cezar Karpinski, coordenador do Labcon.

Foi o próprio Labcon que, durante as cheias, orientou e ofereceu capacitação online sobre o método de congelar acervo em papel.

O congelamento impede o crescimento de fungos, permitindo que mais tarde os documentos sejam tratados de forma mais segura.

Foi necessário que os gaúchos improvisassem, pois o método exige envelopamento a vácuo: como não existiam envelopes adequados (espécie de cápsulas), foram usados sacos de lixo preto, sendo necessário retirar todo o ar existente.

Avaliação

Numa primeira avaliação, os documentos chegaram íntegros. No próximo sábado (5), começa o processo de abertura de alguns invólucros para dar início a análise que levará a um diagnóstico.

Na primeira fase, além do professor e coordenador do Labcon, atuará Rita Cunha, conservadora-restauradora de bens culturais e pesquisadora com experiência na técnica de descongelamento.

Secagem, higienização e restauração

A ideia inicial, explica o professor Cezar Karpinski, é recolher um lote pequeno de documentos para fazer o descongelamento. Trata-se de um passo importante, pois ainda não se sabe como está todo o acervo. 

Mais adiante, deve se juntar em torno de 15 bolsistas, estagiários e voluntários. A inserção de maior número de pessoas vai depender do que o processo, que inclui etapas de secagem, higienização e restauração, demandar. A expectativa é que o trabalho se estenda por até dois anos.

Do Museu de Igrejinha, serão recuperadas 150 encadernações com partituras do Século XIX trazidas da Alemanha. Estima-se que cada volume tenha 100 páginas. Da Biblioteca Pública de Camaquã, chegaram livros históricos da cidade escritos nas décadas de 60 e 70. São obras referências e precisarão ser novamente encadernadas.

Técnica rara

Desde 2019 em Florianópolis, o professor Karpinski conta ser esse o primeiro tratamento de descongelamento feito no Labcon.

A técnica é rara inclusive na iniciativa privada e é considerada cara.

“A gente está trabalhando com o primo pobre do patrimônio, que é o papel. É mais lucrativo para as empresas fazerem restauro de obras. Estamos fazendo de graça e sabemos que dificilmente um museu público teria condições pagar pelo valor cobrado por uma empresa”, explica.

Neste quadro de desafios de instituição pública, o Labcon enfrenta algo que preocupa: a falta de um gerador de energia.

“Estamos preocupados e buscando junto à universidade uma alternativa, que seja a transferência do freezer maior para um centro que tenha gerador próprio. Ficaria no Labcon uma parte menor, justamente a que a partir de sábado vai permitir o início do protocolo de descongelamento”, diz o coordenador do Labcon.

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